5 de março de 2010

Maria

O cheiro de doce entorpecia o ar. Bati palmas, por falta de uma campainha, e ouvi a voz de Maria.
_Oi Jaki, entra minha filha!
_Vou fingir que a casa é minha – disse para descontrair, enquanto entrava na sua casa. Maria estava na cozinha, preparando um doce de queijo. Do portão eu já sentia o cheiro, na cozinha então foi impossível não encher a boca de saliva, enquanto imaginava me deliciando com o meu doce predileto.
Maria usava uma sandália baixa e simples, porém de tom dourado bastante chamativo. Seus cabelos curtos e ruivos estavam presos com uma borboleta apenas de um lado da cabeça. Um batom discreto nos lábios e logo pude concluir que Maria era mesmo bastante vaidosa.
_Bem, Maria, nós podemos começar a entrevista? Eu posso ligar o gravador?
E ela concordou acenando a cabeça.
_Será que já está bom, Jaki? Maria ainda perguntou a mim se referindo ao doce, já depois que apertei o play.
_Não sei, eu não entendo... Bem, Maria, então me conta sua história. Conte desde quando você se casou pela primeira vez.

Maria tinha apenas 15 anos. Nem mesmo largou as bonecas e teve que se casar com um homem que nunca houvera conhecido antes. Este era Antônio Trindade. Um homem trabalhador e muito bom para ela como ela mesma descreveu. Maria vivia em uma casa humilde, nas “beiras do trilho de ferro”. Com dois anos de casamento, Antônio morre de um acidente de trabalho em Ibiá, deixando Maria grávida, e com uma menina de apenas um ano para criar.
Durante a entrevista, Maria não dava muitas informações. Apenas respondia com um acendo de cabeça ou um monossílabo. Com o tempo, toda aquele intimidação foi ficando pra trás. E Maria começou a se abrir e contar com mais detalhes como tudo aconteceu.
_Depois que o Antônio morreu, eu fiquei morando na casa da minha sogra, junto com minha enteada, a filha do primeiro casamento dele. Mas elas não gostavam de mim, até hoje eu não consigo entender o motivo. Mas eu sei que elas não gostavam de mim. Maltratava a mim e meus filhos.
Maria não ficou por ali nem dois anos e resolveu "ir procurar um jeito na vida", como ela mesma disse. Deixou os filhos com os pais e foi para a cidade de Conceição das Alagoas tentar trabalho para, pelo menos, ter condições de se sustentar.

Quando começamos a falar dessa nova fase de sua vida, pude constatar a emoção nos olhos de Maria. Rasos d'água, ela falava como se estivesse vendo aquela cena a um palmo de sua visão, como se estivesse sentindo tudo aquilo de novo. E começou a dançar a música narrada pela sua lembrança, e eu, uma mera ouvinte de sua história, de tão envolvida, de repente me vi, uns 30 anos no passado, em um baile de fazenda. No canto, alguns sanfoneiros tocando e cantando alegremente. E no outro, Maria, dançando e espalhando sua beleza de menina-mulher por onde passava.
A precisão dos detalhes que contava sobre esse momento me fez viajar, ouvir e sentir as mesmas coisas que Maria sentira naquele dia, há 30 anos.
Maria sempre gostara de dançar. Naquela noite vestia um vestido justo até a cintura e um pouco rodado, revelando seu corpo magro e cheio de curvas. Usava um laço no cabelo e dançava e rodopiava com cada cavalheiro que a convidava para “ter a honra da dança”.
Mas ela estava mesmo olhando para o cavalheiro sentado na mesa, um pouco mais distante da roda. Ele era alto, um moreno cor de canela. Seu rosto era de um formato triangular, acentuando os lábios carnudos e as bochechas rosadas, queimadas do sol.
Quando a moça chegou mais perto com o pretexto de pegar um copo de refrigerante perto da mesa dele, viu o que mais lhe encantou, o olhar. Seus olhos mais pareciam duas bilocas azuis, com uma luz que irradiava de dentro de cada uma. Ele a olhou maliciosamente, percorrendo seu olhar por todo o corpo de Maria. Aquele era Bitencourt Pontes. “Um nome um pouco estranho, né?” foi o que Maria dissera naquele dia, e agora, enquanto eu a entrevistava.

2 comentários:

  1. Uma dica:
    DÊ a chance aquele que te encoraja! Faça o que tem medo. arrisca. Não perde tempo.

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  2. Fala da frase que coloquei aí em cima?
    o anjinho e o diabinho?
    "(...)Talvez igual aqueles desenhos que assistia quando criança, quando tinha um diabinho e um anjinho, um encorajando e outro repreendendo(...)"

    Isso é parte de um conto, Conflitos Internos II

    http://breguetesdajaki.blogspot.com/2009/08/conflitos-internos-ii.html

    Porque não se revela?

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