14 de dezembro de 2012

André

Abriu os olhos. Ao seu redor viu luzes de lanternas vindo de várias direções. No seu rosto era refletido o pisca vermelho de uma das ambulâncias estacionadas no acostamento da rodovia. Alguns homens, dos que seguravam a lanterna, caminhavam por ali entre o mato úmido da chuva fina que caía.

Algumas horas antes, ainda em casa, o pai apressava nervoso.
_Porque você sempre deixa tudo pra última hora? Falta menos de dez minutos pro ônibus sair e você ainda não terminou de arrumar a mala?
_Não briga assim com ele – disse a mãe – Toma aqui. Agora podemos ir – disse enquanto colocava a última mala no carro.
Todos já entravam no carro, e ele, triste parou em frente a porta da casa dos pais, onde vivera toda infância. Quantas lembranças de quando moleque, de quando jogava futebol com os meninos da rua. Agora tinha 25 anos. Estava à viagem para casa da noiva, em São Paulo. Recém-formado, iria começar uma nova vida, novo emprego em uma conceituada empresa de engenharia.
_Vamos André!
_ Não sei pai... - O velho olhou pro rapaz, como se não entendesse – Tá apertado – disse com a mão no peito.
_Isso é normal, filho. É uma nova etapa da sua vida. É normal ter medo. Mas agora você é homem, e precisa encarar os desafios de frente.

Algumas horas mais tarde, acordou assustado com murmúrios dos demais passageiros. O ônibus estava parado no meio da pista de estacionamento de uma rodoviária, provavelmente de alguma cidadezinha próxima. Olhou no relógio, já haviam se passado pouco mais de duas horas. Olhou pela janela, o céu nublado escuro denotava chuva próxima. Então avistou o motivo da revolta dos demais passageiros. O motorista estava esperando por alguns passageiros que chegaram atrasados.
Uma senhora negra e robusta, aparentemente com uns 60 anos de idade era cercada de abraços de algumas jovens na plataforma. Todos a beijavam e choravam enquanto se despediam. Junto dela, uma mulher de uns 36 anos e mais duas crianças, um menino de uns 10 anos e um bebê. Todos se abraçavam, e se beijavam. Quanto mais a despedida da família de atrasados se estendia, mais revolta e burburinho causava nos demais passageiros já dentro do ônibus.
Depois de o motorista apressar a mulher, ela chamou a senhora e o garoto e finalmente entraram no ônibus. Pelas contas de André, foram exatos 15 minutos de atraso.

Agora estava ali, deitado. Seu corpo, numa mistura de dor e cansaço, não correspondia aos comandos de seu pensamento de levantar dali e pedir por ajuda. Sentiu algo escorrer pela face e percebeu que era sangue.
_Senhor! Por favor, senhor! Poderia me ajudar? - disse enquanto um dos socorristas passavam perto dele. Mas o homem não respondeu. Continuou iluminar o local até avistar André.
_Aqui tem mais um! Por favor, ajuda aqui! - Disse acenando para equipe de uma das ambulâncias.
Com muito esforço, André conseguiu se sentar. Um pouco tonto, sentiu o corpo mais leve. Pôs a mão na cabeça procurando pelo ferimento. Ao levantar os olhos avistou o menino que outrora entrou na última parada junto com aquelas mulheres atrasadas. Ele estava de pé, na sua frente, olhando pra ele fixamente sem expressão alguma.
_Infelizmente não há nada que podemos fazer por ele – disse o socorrista a outro da equipe de resgate.
André olhou por trás dele e deparou com o socorrista agachado ao lado dele com o dedo indicador e médio pressionando o pescoço de André. André viu o próprio corpo estirado no chão, com a cabeça toda ensanguentada.