Algumas horas antes,
ainda em casa, o pai apressava nervoso.
_Porque você sempre
deixa tudo pra última hora? Falta menos de dez minutos pro ônibus
sair e você ainda não terminou de arrumar a mala?
_Não briga assim com
ele – disse a mãe – Toma aqui. Agora podemos ir – disse
enquanto colocava a última mala no carro.
Todos já entravam no
carro, e ele, triste parou em frente a porta da casa dos pais, onde
vivera toda infância. Quantas lembranças de quando moleque, de
quando jogava futebol com os meninos da rua. Agora tinha 25 anos.
Estava à viagem para casa da noiva, em São Paulo. Recém-formado,
iria começar uma nova vida, novo emprego em uma conceituada empresa
de engenharia.
_Vamos André!
_ Não sei pai... - O
velho olhou pro rapaz, como se não entendesse – Tá apertado –
disse com a mão no peito.
_Isso é normal, filho.
É uma nova etapa da sua vida. É normal ter medo. Mas agora você é
homem, e precisa encarar os desafios de frente.
Algumas horas mais tarde, acordou assustado com
murmúrios dos demais passageiros. O ônibus estava parado no meio da
pista de estacionamento de uma rodoviária, provavelmente de alguma
cidadezinha próxima. Olhou no relógio, já haviam se passado pouco
mais de duas horas. Olhou pela janela, o céu nublado escuro denotava
chuva próxima. Então avistou o motivo da revolta dos demais
passageiros. O motorista estava esperando por alguns passageiros que
chegaram atrasados.
Uma senhora negra e
robusta, aparentemente com uns 60 anos de idade era cercada de abraços de
algumas jovens na plataforma. Todos a beijavam e choravam enquanto se
despediam. Junto dela, uma mulher de uns 36 anos e mais duas
crianças, um menino de uns 10 anos e um bebê. Todos se abraçavam,
e se beijavam. Quanto mais a despedida da família de atrasados se
estendia, mais revolta e burburinho causava nos demais passageiros já
dentro do ônibus.
Depois de o motorista
apressar a mulher, ela chamou a senhora e o garoto e finalmente
entraram no ônibus. Pelas contas de André, foram exatos 15 minutos
de atraso.
Agora estava ali,
deitado. Seu corpo, numa mistura de dor e cansaço, não correspondia
aos comandos de seu pensamento de levantar dali e pedir por ajuda.
Sentiu algo escorrer pela face e percebeu que era sangue.
_Senhor! Por favor,
senhor! Poderia me ajudar? - disse enquanto um dos socorristas
passavam perto dele. Mas o homem não respondeu. Continuou iluminar o
local até avistar André.
_Aqui tem mais um! Por
favor, ajuda aqui! - Disse acenando para equipe de uma das
ambulâncias.
Com muito esforço,
André conseguiu se sentar. Um pouco tonto, sentiu o corpo mais leve.
Pôs a mão na cabeça procurando pelo ferimento. Ao levantar os
olhos avistou o menino que outrora entrou na última parada junto com
aquelas mulheres atrasadas. Ele estava de pé, na sua frente, olhando
pra ele fixamente sem expressão alguma.
_Infelizmente não há
nada que podemos fazer por ele – disse o socorrista a outro da
equipe de resgate.
André olhou por trás
dele e deparou com o socorrista agachado ao lado dele com o dedo
indicador e médio pressionando o pescoço de André. André viu o
próprio corpo estirado no chão, com a cabeça toda ensanguentada.