16 de setembro de 2009

Rotina

Olhava pra ela, desenhando sua face, tentando reconhecer aquela mulher que estava ali, adormecida na cama. Não tinha culpa, mas assim dormindo parecia que ela ainda tinha aquele encanto e magia. Parecia que a qualquer momento quando ela acordasse, ela ia lhe dar um sorriso dócil e meigo, e ele ia sentir de novo, aquele arrepio na pele, o coração disparar, e a face enrubescer. Mas não. Alexandre sabia que tudo ia ser como era antes dela dormir.
Ficou ali olhando por mais algum tempo, e logo percebeu que em outras épocas, como gostava que acariciar o rosto enquanto Marcela dormia. Às vezes, ele acordava do nada durante as madrugadas, e se deparava com ela, dormindo e sonhando, igual estava ali agora, parecendo um anjo, tão vulnerável, e tão delicada. Gostava de passear os dedos entre seus cabelos ondulados e desfazer cada cacho que tinha nas pontas, fazendo um cacho virar dois, dois virarem quatro, quatro oito... E ela sempre dava um leve sorriso, ainda com os olhos fechados, aconchegando a cabeça na palma da sua mão.
Como parecia mágico, quando ele ficava esperando o fim de semana chegar, para finalmente vê-la. Enquanto isso ligava pra ela todos os dias, quando na verdade dava vontade de ouvir sua voz todas as horas, e não desligar o telefone. Falavam como havia sido o dia um do outro, contavam os mínimos detalhes, e preocupavam-se um com o outro. Agora mal se falavam enquanto moram juntos. O pouco de conversa, não passava de “Onde você deixou o controle da tv”, ou “hoje é você quem lava as louças”.
E antes, quando se encontravam na sexta feira, se beijavam arduamente, como se fosse a primeira e última vez, e sempre acabavam na cama, fazendo amor. Amor, quantas vezes fossem necessárias para satisfazer a saudade, a qualquer hora, em qualquer lugar, todos os dias.
Agora, não existe mais amor, apenas satisfação. A compra da nova cama de casal, apenas serviu para deixarem de dormir abraçados como faziam quando ela ia dormir na sua casa na cama de solteiro. Agora quanto mais longe do outro, melhor. Havia acabado, e eles quase não perceberam quando encanto começou a se quebrar. De repente ele abriu os olhos e viu que Marcela tinha defeitos, que ele não gostava mais como ela se vestia, como ela tratava as pessoas, sua família, que ela não lhe parecia mais tão atraente... E tudo foi se perdendo... A princesa agora era apenas uma pessoa comum, uma plebéia no meio de tantas outras, não se destacando, se perdendo na multidão, apenas passando por sua vida...
Era triste, e ele ficou triste porque ainda gostava muito dela. O que ele queria é que tudo fosse como antes e os dois voltassem a se interessar um pelo outro. Pensou em acordá-la como uma dia ela fizera, com um beijo molhado e cheio de desejo. Pensou em como seria bom fazer e sentir amor agora, e descobrir que tudo não se passava de engano, e que estava apenas adormecido dentro de cada um deles. Tocou seus lábios com a ponta dos dedos, roçando levemente pra lá e pra cá. Marcela abriu os olhos e apenas perguntou com os olhos quase fechados.
_ Por que não volta a dormir? Amanhã temos que nos levantar cedo para o trabalho.