13 de novembro de 2008

Perfil: Luciana

Foto: Reprodução da Internet

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Primeiro dia. Manhã : Café preto sem açúcar, com adoçante; Almoço: 2 ovos cozidos e ervas a desejar ; Jantar : salada de alface com pepino e salsão à vontade. Segundo Dia. Manhã : Café com bolacha cream-crakers; Almoço: 1 bife grande com salada de frutas à gosto; Jantar : Presunto à vontade; Terceiro Dia. Manhã : Café com biscoito cream-crakers ; Almoço: 2 ovos cozidos , salada de vagem e 2 torradas; Jantar : presunto e salada. Esse é um pouco do cardápio de Luciana*, 20 anos, há 7, vítima de anorexia, um distúrbio alimentar que atinge hoje cerca de 2 em cada 10 meninas no país.
Luciana, loura, olhos castanhos claros, 1,61m de altura e apenas 41 quilos. “Esse é o padrão da mulher brasileira, não é mesmo? Loura, alta, magra...”. Diz Luciana, que julga esse o principal motivo de se aderir às Pró-Ana’s**, um padrão de beleza que foi imposto pela sociedade, e que aterroriza milhares de adolescentes: ser magra, melhor magérrima.
Luciana tinha apenas 13 anos. Seus pais haviam acabado de se separar, e entre tantos problemas, sua mãe reclamava dos quilinhos a mais que ela tinha. Sempre teve orgulho da mãe, uma mulher linda, e atraente que quando jovem, participava de vários concursos de beleza. “Você acha que as pessoas gostam de gordas?” Sua mãe sempre reclamava de seu peso, e o estresse da separação era mais um motivo para que sua mãe “pegasse mais ainda no seu pé”.
Seu irmão, Caio, 2 anos mais velho que ela, brigava muito com ela, e entre xingamentos sempre havia o que mais machucava Luciana: Gorda!
Uma menina dócil, meiga e calada. Aparentemente uns 5 anos mais velha que sua verdadeira idade, seu rosto cheio de olheiras e muito nítida a máscara de sofrimento pela doença. “Já perdi as contas de quantas vezes busquei por ajuda, tratamento... mas sempre desisto. Olho no espelho e não consigo me imaginar 1 quilo mais gorda. Se ganho uma grama, me sinto pesada: a consciência pesada, o corpo pesado, e o próprio sofrimento me causa náuseas”.
Luciana assume a culpa pela doença, mesmo com o histórico de críticas de sua mãe e irmão.
“A Lu é uma menina linda! Somos amigas desde a infância. E derrepente eu vi ela se afastar de mim, de todas nossas amigas, das pessoas. Observei o quanto ela estava emagrecendo rápido. Cheguei a perguntar sua mãe se ela estava doente, mas ela desconhecia isso. Foi quando tentei me aproximar dela e conseguir seu desabafo. Minha amiga sofria desse distúrbio alimentar e foi nessa hora que decidimos que juntas iríamos superar essa doença”, diz Lidiane Oliveira, 19anos, amiga de Luciana.
“As pessoas vêem as anoréxicas com preconceito, e como alguém que têm alguma doença contagiosa somos discriminadas, todos nos julgam, mas não procuram saber o porquê de insistimos com a Ana. As pessoas não sabem ajudar e na verdade nem sei se a intenção delas é esta mesmo. Na verdade todas nós estamos precisando de muita ajuda, ninguém aqui está pirada o suficiente para acreditar que ficar sem comer até nos saltarem os ossos é uma coisa normal, mas é um desejo nosso, entende?”
Luciana era muito extrovertida, gostava de conversar, brincar, sair com a família. Mas isso foi aos 13 anos. Hoje ela mesma se descreve totalmente o contrário disso. Reservada, uma moça de poucas palavras, olhos vibrantes, porém tristonhos.
“Às vezes dá vontade de desistir de tudo, da faculdade, do meu sonho em ser publicitária, da família, da vida... Mas, eu tenho que lutar contra isso. Eu só queria ter uma vida normal”.
Sua mãe se vê no arrependimento de ter cobrado tanto de sua filha quando ainda era apenas uma menina. Hoje ela ajuda Luciana no que pode: tratamento, diálogos, sempre tudo com muita delicadeza. “Lu não gostam muito de se abrir comigo. Mas eu procuro entende-la. Eu só quero o melhor pra ela...”
Luciana hoje, faz tratamento, e até já conseguiu alguns quilinhos, sua principal qualidade foi notada em todos os pontos da entrevista: determinação. Afinal, ela já conseguiu o que é o mais difícil para muitas meninas que sofrem da doença que é admitir o que está acontecendo.
“Tem meninas com problemas mil vezes piores que os meus e as pessoas não poupam ninguém. Todas nós estamos precisando de palavras leves” disse Luciana entre uma lágrima e uma voz baixa e trêmula.

*Foi omitido o nome completo de Luciana, a pedido dela
**Ana, é o nome usado para designar Anorexia.
Texto de Jaqueline Barbosa