27 de julho de 2010

Infidelidade

"São histórias que cruzam meu caminho que me inspiram. São rostos aflitos por gritar suas angústias, são vozes mudas, angustiadas por situações nas quais essas pessoas vivem mas preferem se calar. E de repente eu invento algo, imponho hipóteses. E o conto real se torna fictício nas minhas palavras. A história de Suelli não é fictícia. É apenas um desabafo que percebi nos olhos de alguém" - 26/07/2010


Embargados no suor daquela paixão que acabaram de fazer, num longo e delicioso gemido, Suelli contorceu todo o seu corpo voluptuoso, ao passo que Danilo apertava com suas mãos grandes a cintura dela enquanto delirava-se no ímpeto de prazer que aquela mulher acabara de lhe proporcionar.
Suelli abriu os olhos e viu aquele rapaz com um sorriso malicioso no canto dos lábios carnudos e rosados.

_Vem aqui, vem – Ele provocou a mulher que estava sentada em cima dele.

Suelli não resistiu. Imediatamente pulou para o lado do corpo nu daquele rapaz moreno, deitado na cama de motel. Danilo aconchegou a cabeça de Suelli em seu peito e ficou acariciado seus cabelos, rigorosamente aparados num corte moderno e curto. Sutilmente Suelli foi se aconchegando no colchão, apalpando ao seu redor em busca do lençol.

_O que está fazendo? - perguntou Danilo ao vê-la se cobrindo.

Sorrindo, ela baixou os olhos, como se tivesse procurando as palavras para se esclarecer. Sueli então cerrou as pupilas e acomodou novamente a cabeça no peito liso de Danilo enquanto desenhava com a ponta dos dedos suas formas formas musculares.

_Tenho vergonha do meu corpo.

Danilo olhou profundamente nos olhos daquela mulher, e respondeu:

_Você é linda! Exatamente assim!

Foi exatamente isso que fez com que Suelli se apaixonasse por aquele rapaz 17 anos mais novo que ela: seu romantismo, delicadeza e cavalheirismo. Apesar de Suelli achar que não era atraente suficiente para que um jovem de 25 anos se apaixonasse por ela, mal sabia que cada vez mais o rapaz estava envolvido naquele relacionamento que já durava exatos dois meses.

Os dois se conheceram durante uma conferência em que o marido de Suelli, Jorge, participou em Fernando de Noronha, sobre poluição marinha. Jorge era assessor jurídico e um dos acionistas de uma grande empresa de energia nuclear em Angra dos Reis e foi um dos 30 funcionários convocados para ir ao encontro.

Ignorante em todos os aspectos da sua vida, Jorge foi à conferência a contra gosto, uma vez que sempre dizia que era besteira. “Isso é coisa de ambientalistas que sempre atrapalha o sucesso da empresa”.

O casamento com Suelli já não havia começado nos melhores momentos. Tudo por causa de uma gravidez indesejável que, depois do casamento acabou resultando em uma tragédia. Sueli, após uma briga com o marido por causa de um suposto relacionamento extra-conjugal, acabou batendo o carro enquanto dirigia nervosa pela cidade. O acidente fez com que sofresse um aborto.

Com o passar do tempo Suelli acabou descobrindo que não poderia mais ter filhos e, a solidão era a única companheira, já que morava em uma cidade distante mais de 600 quilômetros da casa dos pais. Sua vida então se resumia em ficar em frente à televisão durante todo o dia. Nunca procurou fazer novas amizades em Angra dos Reis, nem mesmo era fútil suficiente para viver em shoppings no Rio de Janeiro, assim como faziam as outras esposas dos colegas de trabalho de Jorge.

Sueli era rica, tinha um esposo com um bom cargo em uma grande empresa, morava em uma mansão confortável e grande, de frente para uma das paisagens mais lindas do país. No entanto era infeliz.

Nunca teve ambição por roupas caras e nem joias. Até que no começo do relacionamento procurava se vestir com as roupas mais finas das melhores grifes e estilistas da sociedade carioca. Seu closet era composto por decotes, vestidos justos e tecidos sutilmente transparentes. Investia em si mesma, todos os dias, e em todas as festas da empresa em que acompanhava o marido. Tudo a fim de chamar a atenção de Jorge, fisgá-lo com sua sedução em potencial e fazer com que ele voltasse a se apaixonar por ela.

Mas o que Suelli não sabia era que o marido nunca a havia amado. Se casou pelas circunstâncias e sempre continuou, mesmo aos 44 anos, suas aventuras amorosas com as jovens ricas mais cobiçadas do Rio de Janeiro.

Aos poucos Suelli foi desanimando. Suas roupas provocantes tinham efeito contrário e sempre recebia um “Você está ridícula com essa roupa”. Suelli imediatamente entristecia e antes que sugerisse que se trocasse, Jorge continuava “Mas vamos. Estamos atrasados. Você demora demais para se arrumar. Mas não adianta nada... Vai ser sempre assim, a mesma Suelli, cada vez mais gorda”.

Suelli engordou. Ficava o dia todo em casa comendo alguma guloseima e aos poucos foi perdendo o gosto pela vida. Inúmeras vezes pensou em pegar o diploma de Publicitária no fundo da gaveta e voltar para Minas, onde moravam seus pais, para continuar a carreira de publicitária de onde parou quando se casou com Jorge. Mas agora considerava tarde demais. Apenas acomodou-se na situação, e foi vendo seu corpo aos poucos ganhando 15 quilos a mais desde que se casou; seus cabelos embranquecendo, e os sinais da idade aparecendo nos olhos.

Quando ficou sabendo da viagem à Fernando de Noronha, imediatamente se mostrou disposta a acompanhar o marido, alegando que seria uma distração. Mesmo com as retrucas de Jorge, Suelli seguiu viagem para a ilha.

Dentro do avião, avistou Danilo, um jovem alto e moreno usando uma calça em brim social, uma camiseta branca em gola “V”, levemente justa, denotando seu porte atlético, e para completar o visual social-esporte, um paletó cinza e sapatos esportes. Usando óculos Ray Ban, Danilo percebeu o quanto despertou os olhares de Suelli, dando um leve sorriso em certa ocasião.

Mais tarde, sentada sozinha no bar do hotel bebendo uma dose wisky enquanto Jorge estava na primeira reunião da Conferência, Suelli foi surpreendida por um “oi”, vindo de uma voz jovial. Se virou e viu o mesmo rapaz do avião parado ao lado dela, dessa vez sem os óculos de sol.

_Você está acompanhada? Posso me sentar?

Suelli encarou Danilo analisando o tom dourado de seus olhos. Acenou com a cabeça em sinal afirmativo, e ficou contornando com a ponta do dedo indicador a borda do copo de cristal em que tomava sua bebida.

Logo Suelli perdeu a timidez e pouco depois já estavam falando sobre eles mesmos. A mulher acabou ficando surpresa ao saber que o jovem, recém formado em biologia marinha, trabalhava para uma ONG em Angra dos Reis como mergulhador. Também estava ali para a conferência. Mas ao contrário do esposo, Danilo defendia a razão para o encontro, falando a respeito de pesquisas em que participava, argumentando embasado em dados e levantamentos feitos pela ONG em que trabalhava.

Toda aquela conversa deixava Suelli ainda mais fascinada, a ponto de terem perdido a noção do tempo. Durante os próximos dias, os dois se viam cada vez mais envolvidos até que no último dia naquela ilha, durante outra reunião em que Jorge participava, Danilo levou Suelli para um praia deserta, afim de mostrar a linda vista das águas claras revelando grande diversidade de peixes e outros animais marinhos. Envoltos por aquela paisagem paradisíaca, acabaram se rendendo um ao outro e fizeram amor ali mesmo, na praia.

O romance não ficou apenas na viagem. E menos de uma semana depois, já em sua casa, uma das empregadas anuncia a visita de um jovem que se identificou como Danilo. O rapaz havia pesquisado o endereço de Suelli na lista telefônica a partir do sobrenome de Jorge.

Agora, novamente estavam juntos. Se amando, enquanto Suelli recebia daquele jovem tudo o que sempre havia buscado no marido. Pensou na sua infidelidade, na parcela de culpa que tinha por ter deixado com que o casamento chegasse àquele extremo. Mas antes que se martirizasse em pensamentos, Danilo a tomou novamente nos braços, lhe beijando delicadamente, fazendo com que aqueles pensamentos se evaporassem, dando lugar aos sentimentos e sensações que, o toque, o beijo e a voz de Danilo lhe proporcionavam.

30 de junho de 2010

30 Segundos

Ficaram ali, parados, se olhando por algum tempo. Pessoas passavam ao redor deles, em passos rápidos, atrasados com algum compromisso, preocupados com suas próprias vidas. E o que para essas pessoas que também transitavam por ali não passava de segundos, para ele e para ela foi tempo suficiente para que passasse um filme na cabeça dos dois.

Carros correndo freneticamente pelas avenidas, motoristas imprudentes ultrapassado o sinal vermelho, buzinas revelando a impaciência com aqueles pedestres que insistiam em atravessar a rua entre as filas de carros. E para Clara e João não passavam de pessoas, alheias à história dos dois, mas que por algum motivo, naquele momento passavam por ali, no cruzamento daquelas avenidas, como se estivessem em câmera lenta.

Todo aquele barulho de motores e pessoas conversando ao mesmo tempo não era audível aos dois. Se olhavam. Ficaram ali, parados na calçada daquela esquina apenas olhando um nos olhos do outro, tentando descobrir tantas coisas que agora os lábios não conseguiam pronunciar.

Ao celular, a mãe de Clara escutava a respiração serena da filha e repetia sem sucesso o “Alô”, ao perceber que a filha de repente se calara. Clara, por sua vez, não ouvia, mas também continuou segurando o celular próximo à face.

João, com as mãos no bolso e fones no ouvido, deixou sem que percebesse que seus olhos se enchessem d'água, contradizendo o sorriso sutil no canto dos lábios.

Retratos dos momentos juntos, agora ganhavam vida na mente do ex-casal. O primeiro olhar, o primeiro beijo, a primeira transa... O  primeiro “eu te amo”. Risos, lágrimas, brigas, reconciliações.

Amor.

Agora perguntavam-se se conseguiriam esquecer todos esses retratos. Perguntavam-se se já não amavam mais um ao outro. Se o que sentiam era amor. Se algum dia seriam felizes, longe um do outro.

Os olhos de Clara se voltavam para o chão enquanto agora o rapaz se perguntava se ela já havia esquecido ele, se já amava outra pessoa.

Levou a mão que estava no bolso direito do seu jeans a fim de tocar a face rosada e quente de Clara. Mas antes que o fizesse, foi surpreendido pela pronuncia do próprio nome na voz de uma mulher, precedido pelo barulho estorvedante de um trovão.

_João! Entra no carro! Vai chover.

Buzinas, pessoas, motores e o barulho da chuva. Tudo voltou ao normal enquanto João, sem olhar para trás, entrou no carro parado na esquina. Tudo voltou ao normal, menos a vida de João e Clara. Essa, que continuava parada naquele cruzamento sem se preocupar com a chuva fina que lavava seu rosto. Chuva que caiu após 30 segundos desde que os dois se reencontraram naquele dia nublado, naquele cruzamento.

4 de maio de 2010

Perfume

Entorpece, delira e distrai.

Esse era o efeito do perfume de Gustavo sobre o corpo de Luana. Seu chefe, quase trinta anos mais velho, causava-lhe uma imensidão de sensações, impossíveis de ela mesma descrever. Sua alma estremecia, querendo extravasar aquele movimento ao limite do físico e, por um instante, poderia ir além de seu corpo. Uma única corrente elétrica de tamanha intensidade percorria no interior de seu corpo, dos pés à cabeça, provocando uma imensidão de fantasias que não passavam de pensamentos. Buscava seu olhar, e penetrava sua pupilas negras bem no fundo daqueles olhos quase que cerrados, característica de Gustavo que atraía ainda mais a atenção de Luana.

A quilômetros de distância Luana poderia sentir aquele perfume que tanto a incomodava, que tanto aguçava sua fome de prazer e de beijo na boca. Era o seu cheiro característico que fazia com que a moça, sempre que passasse em frente uma perfumaria, ela entrasse e vasculhasse cada frasco a fim de descobrir aquela fragrância, apenas com o intuito de continuar seu delírio, se entorpecer e embriagar no perfume, concretizando em pensamentos fantasias mais inacessíveis em realidade.

Sorria. Sorria, enquanto caminhava pelas ruas e, ainda que seus pensamentos perambulassem outras preocupações, suavemente aquele perfume característico ia surgindo, penetrando suas narinas, arrancando-lhe um sorriso enquanto imaginava que, dali a pouco, Gustavo poderia ter passado por aquele lugar.

Sorria, novamente. Agora balançando a cabeça negando aquele pensamento impulsivo de que apenas Gustavo era dono daquele cheiro. E era. Antes que suspirasse a fim de que esses pensamentos sucumbissem no ar, Luana ouviu a voz grave de Gustavo. Falou alguma coisa que a moça não compreendia. Talvez um "você por aqui" ou, "está passeando?". Ela preferia apenas balançar a cabeça e continuar penetrando seu olhar nos olhos dele, por trás da lente dos óculos de grau.

Forjando uma linguagem corporal, fingia atenção ao assunto, enquanto se inclinava e apoiava o queixo sobre os cotovelos magros. Hora ou outra balançava a cabeça ou falava algo que não dava segmento à conversa. Em certo momento, sua tática ficou a mercê de ser descoberta. Um vacilo e Luana se perdeu novamente em seus pensamentos na imensidão negra dos olhos de Gustavo. Sua conversa foi interrompida pelo tropeço nas próprias palavras. Tudo sumiu e se perdeu. E num gesto nervoso balançou a cabeça rapidamente como se aquilo fizesse com que suas fantasias desaparecessem e no lugar voltasse habitar as palavras que dariam continuidade ao assunto.

Ele se virou e foi embora. Talvez não sabendo ou - o que aumentava ainda mais aquela tortura - tendo conhecimento da dimensão de sensações que sua presença provocava em Luana. Andava, caminhando lentamente aos olhos da garota, num balançar que podia perfeitamente compor um ritmo. Sem olhar para trás, com a cabeça levemente inclinada para cima, ressaltando ainda mais sua segurança em si mesmo, Gustavo se foi. Com um sorriso sutil que para Luana passava de malicioso, bem no canto dos lábios.

Sim, ele sabia. Tinha noção do que era capaz de provocar com cada movimento ao alcance dos olhos da garota.

Mas foi embora. No seu estilo indiferente, com as mãos no bolso, Gustavo foi embora. Luana, seguiu seu caminho, também fingindo indiferença. Tentando mergulhar na imensidão de seus problemas ou atividades, para que se desligasse que seja por algum momento daquele homem que tanto a atraia.

1 de abril de 2010

Sorriso

_Nada!
Foi essa a reposta que ela deu, quando Gabriel indagou em que estava pensando. Realmente, podia parecer estranho ou impossível. E era exatamente isso que ele questionava “É impossível não pensar em nada!”, mas ela conseguia. Ou pelo menos tentava não pensar na sua vida lá fora.

Seu olhar estava distante, como se tivesse olhando para o vento, mas na verdade ela olhava pra dentro de si mesmo. Tentava distinguir aquele turbilhão de sentimentos, tentava sentir e desfrutar de cada um deles. Não queria e não sabia entender aquilo tudo. Preferiu apenas sentir o momento, esquecer de tudo e gozar de cada arrepio, frio na espinha, e batida do coração.

Rendeu-se ao momento, e ficou ali na cama, deitada no ombro dele e brincando com cada pelo do seu peito. Alisava e percorria com os dedos, desenhando as linhas do seu corpo na sua mente, como se aquilo fizesse com que ela nunca mais esquecesse aqueles traços. Apesar de estarem ouvindo apenas o barulho da chuva bater no vidro da janela lá fora, era como se estivessem se declarando uma para o outro. Declarando toda a emoção dentro deles, apenas com o olhar.

Em algum momento falaram sobre alguma coisa. Mas, mesmo que naquela hora ela tentara prestar atenção no assunto, mais tarde, quando estava acompanhada apenas da solidão de seus pensamentos, por mais que se esforçasse, não conseguia lembrar do que falavam. Ainda continuava olhando para o nada e sorrindo. Se via, juntamente com ele, suados em uma cama.

Agora estava longe do rapaz, mas ainda assim continuava sentindo ele. A água morna do chuveiro caia sobre sua pele e ela ia espalhando a pouca espuma que fez com o sabonete pelo ombro, sem prestar atenção naquele ato. Quis continuar sentindo o cheiro já distante dele na sua pele. E foi espalhando a água pelo corpo em gesto de carinho, se descobrindo e se sentindo como há muito tempo não se sentia: mulher.

Não quis saber o que era aquilo. Lembrou-se do quanto sempre foi feliz quando deixou de se preocupar com o futuro e viveu intensamente o presente. E esse era seu maior defeito, tentava decifrar o futuro, traçar planos demais pra tudo que lhe acontecia ao redor e dentro de si.

E decidiu que não ia pensar em um nome para aquele sentimento, só que ia viver e sentir-lo ao máximo enquanto pudesse. E assim continuar sorrindo enquanto se distraia com o nada.

(18/11/2009)

26 de março de 2010

Cacau

Estava ali. Tão perto e ao mesmo tempo tão distante do meu sentimento. Tentava disfarçar meu olhar sobre seu rosto, fino e delicado, ao mesmo tempo em que tentava prestar atenção nas palavras daquele que falava alguma coisa lá na frente.

Não conseguia. Era linda. Sua feição, seus traços de rosto pele cor de canela, pele lisa e macia como se fosse uma criança desprovida de toda maldade do mundo, de toda poluição  a qual deve ser responsável por acelerar o processo de envelhecimento de qualquer pessoa vulnerável às responsabilidades da vida.

Doce, como o mais delicioso alimento, seu jeito me fascinava. Sua feição, seu olhar sutil e oblíquo de onde eu via refletido a figura daquele homem que palestrava no palanque.

Fiquei ali, desenhando ao longe sua feição sadia e corada, desenhando na minha mente como fazia em tantas outras vezes. Desenhando seu corpo escondida por debaixo daquele vestido longo cor de pano desbotado com algumas minúsculas tulipas abóbora. Estava fascinante. Sua pele era como a cor do mesmo chocolate que minha Carolina segurava com a ponta dos dedos indicador e polegar, hora ou outra sujando também o dedo médio com aquele doce de cacau. Era ela, minha sempre e doce Carolina, Carol ou simplesmente Cacau.

Não me via. Não viu aquele vizinho sentado no canto da sala. Não viu meus lábios com vontade de beijar Cacau, lamber e acariciar sua boca vermelha. Fiquei relembrando seu corpo nu nos meus braços. Relembrando suas palavras quase que sussurradas clamando por socorro quando acordava no meio da noite entre um pesadelo e outro. Relembrando seus sonhos, os quais eu sonhava junto com minha Cacau. Sonhos os quais eu estava sempre disposto a tudo fazer para torná-los verdade.

Era meu chocolate em forma de mulher, com cabelos de molas, com pontas amareladas do sol de verão do Rio de Janeiro. Cada molinha virava duas em meus pensamentos enquanto eu me lembrava de meus dedos, outrora entrelaçados no castanho-dourado das madeixas de Cacau. Fazendo amor com seu pensamento que, agora, talvez, nem pensa mais em mim, seu eterno admirador.

Cacau. A moça do prédio que me fazia sempre acordar mais cedo só para vê-la, ao longe saindo do condomínio, olhando e compondo amor no balanço de seu andar. A moça que me apaixonei e vivi uma história de amor em silêncio, desde há muito tempo, sem que ela percebesse que o cara do sétimo andar queria muito mais que uma transa. Amamo-nos, eu com amor e ela com tesão ou paixão ou com vontade gêmea.

Agora estava ali, dando a última e mais deliciosa mordida naquele alimento que era feito com o seu doce nome. Olhou rápido para o último pedaço já com a camada externa derretida pelo calor de seus dedos e, em movimentos suaves, quase que em câmera lenta, ela levou o pedaço de chocolate até seus lábios carnudos, deixando uma migalha de massa marrom no canto da boca. Mastigando lentamente e degustando aquele afrodisíaco cacau industrializado. Deglutindo e molhando os lábios com a ponta da língua suja a fim de tirar aquela migalha de chocolate que tanto aguçou minha fome de cacau.

Ainda lambeu cada dedo, mania que tinha desde menina. Lambeu como se lamentasse o fim do chocolate, fechando os olhos, se acomodando em sua poltrona enquanto aquele homem que sempre lhe amou a distância continua ali. Sempre ali, de longe, observando minha Carol, doce como chocolate.

10 de março de 2010

Lágrimas Negras

Estava encostada no canto da sala, agora vazia. Seus olhos, negros, rasos d’água, olhava para o uma folha morta, pendurada no galho espinhoso da roseira branca do seu jardim esquecido. A folha seca fazia amor com o vento, balançando no compasso do seu coração que, não sabia se já não batia também.
Escorava na parede úmida, do tempo frio de céu choroso daquele dia. Gelada, a parede adormecia a pele pálida de Raquel. Algumas vozes sussurravam tristeza pelos cômodos do lugar. Pessoas nos cantos da sala. Cabeças baixas, olhares longe.

E então seria o momento. A porta se abriu, e três homens entraram junto a seu amor, este, imóvel e frio. Ficou ali, olhando. Percorreu com os olhos todo o caminho entre a porta de madeira velha, e o centro do salão. Todos se aproximaram, olharam aquele homem, encararam sua aparência.
Já, Raquel continuou ali, parada, imóvel, assistindo àquele pesadelo.

No espelho da parede, sem que a moça percebesse, era refletida a própria imagem, cansada, esgotada. As ondas de seus cabelos negros, agora desarrumados, tampavam um lado da sua face salgada. Seus lábios, secos e avermelhados, apertavam a dor sentida naquele momento, e seguravam que mais lágrimas fossem derramadas ali. Algo preso à garganta dilacerava seu tormento e perturbação diante daquele homem, imóvel, que tanto amava.

A tarde fria já caía do céu nublado. A sala já estava vazia. Raquel deveria vê-lo pela última vez. Num impulso dos quadris, ela deu o primeiro passo rumo a Daniel. Pernas trêmulas, corpo gelado, como se sua vida lhe fora tirada junto à de Daniel.

Caminhou como se o tempo parasse e só restasse o nada entre ela e Daniel. Parou. Seus olhos buscavam os de seu amor. Mas só via suas pupilas cerradas. A ardência de amor apaixonado dava lugar a um corpo gelado e sem alma. Tocou suas mãos frias e deixou que lágrimas negras e quentes tocassem a pele branca e envelhecida pela doença.

O rapaz que conhecera há alguns anos não existia mais. Havia se tornado um homem aparentemente 10 anos mais velho que a idade que realmente tinha. Magro, seu rosto cheio de curvas aparentavam o osso frágil pelas drogas que era obrigado a tomar. Seus cabelos, os que sobreviveram à quimioterapia, estavam todos brancos.

Seus lábios, imóveis e sem cor, choravam as lágrimas de Raquel, por estar longe de seu amor. Beija. E os toca com sua boca quente. Toca o corpo sem alma de Daniel, deitado naquela imensa urna de madeira. Enquanto a mão acaricia a própria barriga, que guardava todo amor entre ela e Daniel.

8 de março de 2010

Domingo

Odiava domingos. Foi esse o primeiro pensamento que preencheu sua cabeça naquele que seria um longo dia. O sol penetrava pelas frestas da janela, balançando, no ritmo da brisa, a cortina azul cetim que a mãe pusera ali da última vez em que esteve na sua casa, há mais ou menos dois meses.

O ar quente, com cheiro de churrasco, o levou a crer que em algum lugar ali perto alguém preparava um típico almoço de domingo, com toda família. Podia sentir o cheiro de carvão queimado, misturado ao de tempero de carne, como se fosse no quintal da própria casa. Via a cena dentro da cabeça, à um palmo de distância da imaginação: amigos, bebidas, mulheres. Todos dançando, rindo, sorrindo, se divertindo da vida, do álcool. Era a mesma cena que houvera acontecido na noite anterior. Sorriu. E agradeceu por ter aqueles amigos que participavam da sua felicidade.

Tentou levantar a cabeça, ainda com os olhos cerrados por causa da luminosidade. Ressaca. Deixou-se cair novamente no travesseiro, como se naquela hora fosse impossível sustentar o peso do seu próprio corpo. Tentou mais uma vez e, agora, no embalo dos passos longos e embriagados, chegou até a pia do banheiro.

_ Minha nossa! Como estou com olheiras! - Pensou.

Ali, refletido no pedaço de espelho, tinha a imagem de um homem, com pouco mais de 30 anos, barba cerrada, com uma boa expressão tanto nos olhos, quanto no seu rosto, sem desenhos da idade.
Por um minuto, ficou pensando, em tudo que lhe acontecera nos últimos meses. Nas festas, nas mulheres, nos amigos, nos domingos. Malditos domingos.
Estava feliz?

Se diversão fosse felicidade, sim, Thiago estava feliz. Mas ainda assim, odiava domingos.
Como de costume, ainda tentou. Ligou o notebook, em cima do sofá, conectou à internet, copo de cerveja gelada e começou sua saga. Ninguém online.

Algumas respostas do e-mail enviado no dia anterior. Todas, as mesmas: algum compromisso com a namorada, o sogro, o cunhado, a mãe, o pai e, até a sogra!

"Viagem à cidade para rever a família". "Almoço de domingo com os pais dela". "Domingo é dia da comida na casa da vovó hahaha". Era inúmeras as respostas.
Já era de se esperar.

Vasculhou a agenda do celular, tentou alguns números e... “Já tínhamos combinado um pique-nique romântico, a dois, à tarde... Mas se quiser, pode participar”. Não. Não gostava de segurar vela, ainda mais para a irmã e o cunhado que moravam em uma cidade vizinha.

Voltou pra cama. Quis dormir. Quis esquecer da solidão. Que o restante da sua família estava à quilômetros dali. Quis não pensar naquilo que aparecia na sua cabeça, apenas nos domingos. Lembranças, de um dia que quem estava do outro lado da tela ou da linha, era ele.

Quis apagar o domingo do calendário. Chorou, e acabou dormindo... Até acordar com o corpo preguiçoso. Pra levantar, lavar o rosto, tomar uma cerveja, pensar, e cair no sono de novo.

5 de março de 2010

Maria

O cheiro de doce entorpecia o ar. Bati palmas, por falta de uma campainha, e ouvi a voz de Maria.
_Oi Jaki, entra minha filha!
_Vou fingir que a casa é minha – disse para descontrair, enquanto entrava na sua casa. Maria estava na cozinha, preparando um doce de queijo. Do portão eu já sentia o cheiro, na cozinha então foi impossível não encher a boca de saliva, enquanto imaginava me deliciando com o meu doce predileto.
Maria usava uma sandália baixa e simples, porém de tom dourado bastante chamativo. Seus cabelos curtos e ruivos estavam presos com uma borboleta apenas de um lado da cabeça. Um batom discreto nos lábios e logo pude concluir que Maria era mesmo bastante vaidosa.
_Bem, Maria, nós podemos começar a entrevista? Eu posso ligar o gravador?
E ela concordou acenando a cabeça.
_Será que já está bom, Jaki? Maria ainda perguntou a mim se referindo ao doce, já depois que apertei o play.
_Não sei, eu não entendo... Bem, Maria, então me conta sua história. Conte desde quando você se casou pela primeira vez.

Maria tinha apenas 15 anos. Nem mesmo largou as bonecas e teve que se casar com um homem que nunca houvera conhecido antes. Este era Antônio Trindade. Um homem trabalhador e muito bom para ela como ela mesma descreveu. Maria vivia em uma casa humilde, nas “beiras do trilho de ferro”. Com dois anos de casamento, Antônio morre de um acidente de trabalho em Ibiá, deixando Maria grávida, e com uma menina de apenas um ano para criar.
Durante a entrevista, Maria não dava muitas informações. Apenas respondia com um acendo de cabeça ou um monossílabo. Com o tempo, toda aquele intimidação foi ficando pra trás. E Maria começou a se abrir e contar com mais detalhes como tudo aconteceu.
_Depois que o Antônio morreu, eu fiquei morando na casa da minha sogra, junto com minha enteada, a filha do primeiro casamento dele. Mas elas não gostavam de mim, até hoje eu não consigo entender o motivo. Mas eu sei que elas não gostavam de mim. Maltratava a mim e meus filhos.
Maria não ficou por ali nem dois anos e resolveu "ir procurar um jeito na vida", como ela mesma disse. Deixou os filhos com os pais e foi para a cidade de Conceição das Alagoas tentar trabalho para, pelo menos, ter condições de se sustentar.

Quando começamos a falar dessa nova fase de sua vida, pude constatar a emoção nos olhos de Maria. Rasos d'água, ela falava como se estivesse vendo aquela cena a um palmo de sua visão, como se estivesse sentindo tudo aquilo de novo. E começou a dançar a música narrada pela sua lembrança, e eu, uma mera ouvinte de sua história, de tão envolvida, de repente me vi, uns 30 anos no passado, em um baile de fazenda. No canto, alguns sanfoneiros tocando e cantando alegremente. E no outro, Maria, dançando e espalhando sua beleza de menina-mulher por onde passava.
A precisão dos detalhes que contava sobre esse momento me fez viajar, ouvir e sentir as mesmas coisas que Maria sentira naquele dia, há 30 anos.
Maria sempre gostara de dançar. Naquela noite vestia um vestido justo até a cintura e um pouco rodado, revelando seu corpo magro e cheio de curvas. Usava um laço no cabelo e dançava e rodopiava com cada cavalheiro que a convidava para “ter a honra da dança”.
Mas ela estava mesmo olhando para o cavalheiro sentado na mesa, um pouco mais distante da roda. Ele era alto, um moreno cor de canela. Seu rosto era de um formato triangular, acentuando os lábios carnudos e as bochechas rosadas, queimadas do sol.
Quando a moça chegou mais perto com o pretexto de pegar um copo de refrigerante perto da mesa dele, viu o que mais lhe encantou, o olhar. Seus olhos mais pareciam duas bilocas azuis, com uma luz que irradiava de dentro de cada uma. Ele a olhou maliciosamente, percorrendo seu olhar por todo o corpo de Maria. Aquele era Bitencourt Pontes. “Um nome um pouco estranho, né?” foi o que Maria dissera naquele dia, e agora, enquanto eu a entrevistava.

Miniconto: Flor de Rosa rósea-pálida


Era triste, desencantada. Como uma flor murcha, morta. Sem cheiro, cor, ou beleza.
Suas pétalas murchas, como seda amarrotada. Desbotada e pálida com o sal de lágrima.
Suas pontas queimadas, já sem vida.
Perdera o encanto, a beleza.
Só tinha espinhos, como arma contra o que mais lhe chateava. Mas que por ela, não sabiam ser usados. Inúteis.
Agora jogada, com cheiro de pétala velha, não atraia mais sensações.
Era flor. Flor de Rosa, rósea, sem sangue ou coração.
Triste, agora.