6 de novembro de 2012

Menino do posto


-Você está com fome? Hein? Me fala? - aos poucos a voz doce e trêmula daquela jovem fez com que a criança acordasse. Abriu os olhos ingênuos lentamente. A moça apresentava pouco mais de 22 anos. Estava bem arrumada, como se fosse a alguma festa. O  menino não respondeu nada, ficou apenas olhando para aquela moça, como se suplicasse por ajuda.
-Vamos, Marcela. Estamos atrasados – disse um rapaz que saia da conveniência em direção à um carro estacionado ao lado da criança.
-Você comprou algo pra ele comer?
-Pra quê Marcela? Esse menino não quer comida não! Não tá vendo?
-Você comprou, Gregory? Eu pedi pra você comprar!
-Não vou voltar lá e pegar essa fila de novo não, Marcela! Vamos logo, estamos atrasados! Deixa esse menino aí.
Marcela ainda cogitou dar algum dinheiro para o menino. No entanto quando pegou a carteira, foi repreendida pelo olhar do namorado.
-Olha, não vou te dar dinheiro... pro seu bem. Mas está frio, né? Você deve estar com frio... - Tirou o casaco apressadamente e cobriu a criança que ainda estava deitada na porta da conveniência daquele posto.

O menino vivia ali há algum tempo. Da primeira vez que o vi, pedi fogo. Suas mãos trêmulas, como se sentisse frio estendeu-me o isqueiro. Acendi um cigarro, traguei enquanto observava aquele menino. Estava sujo, encolhido num canto, próximo à conveniência de um posto de combustível perto da minha casa. Devia ter entre 14 e 16 anos. Tremia de fome. Mas nunca aceitou comida.
Nesse primeiro dia, perguntei se queria cigarro. Ele não respondeu.
- Toma aqui um cigarro. Você precisa comer... se quiser posso comprar algo lá dentro pra você.
Ele pegou os cigarros e voltou a prestar atenção nos carros que passavam na avenida, ignorando minha presença.
A partir de então, todas as vezes que ia na conveniência, o menino do posto estava ali, deitado ou sentado, contrastando o cenário típico de um posto em um bairro universitário. Onde dezenas de carros estacionavam e ligavam seus sons automotivos. Onde jovens embriagavam-se felizes, cantando e dançando. O menino do posto era apenas um pedaço da realidade que ninguém queria enxergar. Ignorado por tantos Gregorys, penalizado por tantas Marcelas.

Levantou, um pouco fraco e pôs as mãos no bolso. Tirou algumas moedas que ganhara. Não contava cinco reais. Não daria pra nada.
Ainda vestia o casaco que a menina boazinha havia lhe dado. Tirou rapidamente. Cheirou e notou que ainda tinha o perfume da jovem. Estava limpo e deveria valer alguma coisa. Pegou uma sacola plástica que estava jogada ali perto, dobrou o casaco, colocou dento da sacola e saiu em passos rápidos e ansiosos.
Dali a pouco menos de uma hora estava de volta. Quase 3 horas da manhã, uma chuva fina que tomava a região fez com que as ruas ficassem desertas. O posto de combustível, bem como a conveniência já estavam fechados. O lugar, um pouco escuro, garantia que o menino ficasse tranquilo sem que ninguém o perturbasse.
Sentou-se  próximo ao galpão do lava-jato. Abriu as mãos e lá estava aquele doce veneno que tanto lhe satisfazia. Ajeitou na lata amassada, botou fogo e tragou. Deleitou-se. Suspirou e abrandou o pensamento. Fechou os olhos e sussurrava algo pra si mesmo. Sussurrava palavras de motivação ao mesmo tempo que repreendia a si mesmo.
Deitou-se e vislumbrou a chuva fina iluminada pela luz fraca e alaranjada do poste, enquanto deliciava-se com seu doce de menino do posto.