26 de março de 2010

Cacau

Estava ali. Tão perto e ao mesmo tempo tão distante do meu sentimento. Tentava disfarçar meu olhar sobre seu rosto, fino e delicado, ao mesmo tempo em que tentava prestar atenção nas palavras daquele que falava alguma coisa lá na frente.

Não conseguia. Era linda. Sua feição, seus traços de rosto pele cor de canela, pele lisa e macia como se fosse uma criança desprovida de toda maldade do mundo, de toda poluição  a qual deve ser responsável por acelerar o processo de envelhecimento de qualquer pessoa vulnerável às responsabilidades da vida.

Doce, como o mais delicioso alimento, seu jeito me fascinava. Sua feição, seu olhar sutil e oblíquo de onde eu via refletido a figura daquele homem que palestrava no palanque.

Fiquei ali, desenhando ao longe sua feição sadia e corada, desenhando na minha mente como fazia em tantas outras vezes. Desenhando seu corpo escondida por debaixo daquele vestido longo cor de pano desbotado com algumas minúsculas tulipas abóbora. Estava fascinante. Sua pele era como a cor do mesmo chocolate que minha Carolina segurava com a ponta dos dedos indicador e polegar, hora ou outra sujando também o dedo médio com aquele doce de cacau. Era ela, minha sempre e doce Carolina, Carol ou simplesmente Cacau.

Não me via. Não viu aquele vizinho sentado no canto da sala. Não viu meus lábios com vontade de beijar Cacau, lamber e acariciar sua boca vermelha. Fiquei relembrando seu corpo nu nos meus braços. Relembrando suas palavras quase que sussurradas clamando por socorro quando acordava no meio da noite entre um pesadelo e outro. Relembrando seus sonhos, os quais eu sonhava junto com minha Cacau. Sonhos os quais eu estava sempre disposto a tudo fazer para torná-los verdade.

Era meu chocolate em forma de mulher, com cabelos de molas, com pontas amareladas do sol de verão do Rio de Janeiro. Cada molinha virava duas em meus pensamentos enquanto eu me lembrava de meus dedos, outrora entrelaçados no castanho-dourado das madeixas de Cacau. Fazendo amor com seu pensamento que, agora, talvez, nem pensa mais em mim, seu eterno admirador.

Cacau. A moça do prédio que me fazia sempre acordar mais cedo só para vê-la, ao longe saindo do condomínio, olhando e compondo amor no balanço de seu andar. A moça que me apaixonei e vivi uma história de amor em silêncio, desde há muito tempo, sem que ela percebesse que o cara do sétimo andar queria muito mais que uma transa. Amamo-nos, eu com amor e ela com tesão ou paixão ou com vontade gêmea.

Agora estava ali, dando a última e mais deliciosa mordida naquele alimento que era feito com o seu doce nome. Olhou rápido para o último pedaço já com a camada externa derretida pelo calor de seus dedos e, em movimentos suaves, quase que em câmera lenta, ela levou o pedaço de chocolate até seus lábios carnudos, deixando uma migalha de massa marrom no canto da boca. Mastigando lentamente e degustando aquele afrodisíaco cacau industrializado. Deglutindo e molhando os lábios com a ponta da língua suja a fim de tirar aquela migalha de chocolate que tanto aguçou minha fome de cacau.

Ainda lambeu cada dedo, mania que tinha desde menina. Lambeu como se lamentasse o fim do chocolate, fechando os olhos, se acomodando em sua poltrona enquanto aquele homem que sempre lhe amou a distância continua ali. Sempre ali, de longe, observando minha Carol, doce como chocolate.

3 comentários:

  1. Oi Jaki,

    Como lhe prometi, passei por aqui, li e amei.
    Que talento moça! Parabéns!
    Te adoro muitão mesmo. Dany

    ResponderExcluir
  2. Conforme prometido, vim comentar...

    Bonito seu conto. Pena que o admirador da moça só possa admira-la de longe; não possa toca-la e nem pode beija-la novamente como das vezes em que se amaram, com paixão ou qualquer sentimento...
    Sei bem como é isso. Esse lance de apenas olhar. No fundo, ele deve sofrer.
    Talvez, só talvez, um dia ela também o olhe, o admire e os dois tenham uma chance de tentar. Talvez, só talvez, uma hora ele consiga, finalmente, tornar reais os sonhos da sua paixão... e juntos os dois façam reais seus sonhos em comum.
    Talvez, só talvez, ele enxergue que certos sonhos são impossíveis de se tornarem reais...
    (...)
    Belo texto.

    ResponderExcluir
  3. Muitoo bomm seu conto... Adoreii... Você faz a Carol parecer uma mulher perfeita, impressionante e mto desejada, até parece que escreveu sobre vc no corpo de outra pessoa que consegue ser linda, inteligente e simplesmente perfeita!!

    ResponderExcluir

Obrigada por comentar! Visite sempre o Breguetes!