Estava ali. Tão
perto e ao mesmo tempo tão distante do meu sentimento. Tentava
disfarçar meu olhar sobre seu rosto, fino e delicado, ao mesmo tempo
em que tentava prestar atenção nas palavras daquele que falava
alguma coisa lá na frente.
Não conseguia. Era
linda. Sua feição, seus traços de rosto pele cor de canela, pele
lisa e macia como se fosse uma criança desprovida de toda maldade do
mundo, de toda poluição a qual deve ser responsável
por acelerar o processo de envelhecimento de qualquer pessoa
vulnerável às responsabilidades da vida.
Doce, como o mais
delicioso alimento, seu jeito me fascinava. Sua feição, seu olhar
sutil e oblíquo de onde eu via refletido a figura daquele homem que
palestrava no palanque.
Fiquei ali,
desenhando ao longe sua feição sadia e corada, desenhando na minha
mente como fazia em tantas outras vezes. Desenhando seu corpo escondida por debaixo daquele vestido longo cor de pano desbotado
com algumas minúsculas tulipas abóbora. Estava fascinante. Sua pele
era como a cor do mesmo chocolate que minha Carolina segurava com a
ponta dos dedos indicador e polegar, hora ou outra sujando também o
dedo médio com aquele doce de cacau. Era ela, minha sempre e doce
Carolina, Carol ou simplesmente Cacau.
Não me via. Não
viu aquele vizinho sentado no canto da sala. Não viu meus lábios
com vontade de beijar Cacau, lamber e acariciar sua boca vermelha.
Fiquei relembrando seu corpo nu nos meus braços. Relembrando suas
palavras quase que sussurradas clamando por socorro quando acordava
no meio da noite entre um pesadelo e outro. Relembrando seus sonhos,
os quais eu sonhava junto com minha Cacau. Sonhos os quais eu estava
sempre disposto a tudo fazer para torná-los verdade.
Era meu chocolate em forma de mulher, com cabelos de molas, com pontas amareladas do
sol de verão do Rio de Janeiro. Cada molinha virava duas em meus
pensamentos enquanto eu me lembrava de meus dedos, outrora
entrelaçados no castanho-dourado das madeixas de Cacau. Fazendo amor
com seu pensamento que, agora, talvez, nem pensa mais em mim, seu
eterno admirador.
Cacau. A moça do prédio que me fazia sempre acordar mais cedo só para vê-la, ao longe saindo do condomínio, olhando e compondo amor no balanço de seu andar. A moça que me apaixonei e vivi uma história de amor em silêncio, desde há muito tempo, sem que ela percebesse que o cara do sétimo andar queria muito mais que uma transa. Amamo-nos, eu com amor e ela com tesão ou paixão ou com vontade gêmea.
Agora estava ali,
dando a última e mais deliciosa mordida naquele alimento que era
feito com o seu doce nome. Olhou rápido para o último pedaço já
com a camada externa derretida pelo calor de seus dedos e, em
movimentos suaves, quase que em câmera lenta, ela levou o pedaço de
chocolate até seus lábios carnudos, deixando uma migalha de massa
marrom no canto da boca. Mastigando lentamente e degustando aquele
afrodisíaco cacau industrializado. Deglutindo e molhando os lábios
com a ponta da língua suja a fim de tirar aquela migalha de
chocolate que tanto aguçou minha fome de cacau.
Ainda lambeu cada
dedo, mania que tinha desde menina. Lambeu como se lamentasse o fim
do chocolate, fechando os olhos, se acomodando em sua poltrona
enquanto aquele homem que sempre lhe amou a distância continua ali.
Sempre ali, de longe, observando minha Carol, doce como chocolate.