10 de março de 2010

Lágrimas Negras

Estava encostada no canto da sala, agora vazia. Seus olhos, negros, rasos d’água, olhava para o uma folha morta, pendurada no galho espinhoso da roseira branca do seu jardim esquecido. A folha seca fazia amor com o vento, balançando no compasso do seu coração que, não sabia se já não batia também.
Escorava na parede úmida, do tempo frio de céu choroso daquele dia. Gelada, a parede adormecia a pele pálida de Raquel. Algumas vozes sussurravam tristeza pelos cômodos do lugar. Pessoas nos cantos da sala. Cabeças baixas, olhares longe.

E então seria o momento. A porta se abriu, e três homens entraram junto a seu amor, este, imóvel e frio. Ficou ali, olhando. Percorreu com os olhos todo o caminho entre a porta de madeira velha, e o centro do salão. Todos se aproximaram, olharam aquele homem, encararam sua aparência.
Já, Raquel continuou ali, parada, imóvel, assistindo àquele pesadelo.

No espelho da parede, sem que a moça percebesse, era refletida a própria imagem, cansada, esgotada. As ondas de seus cabelos negros, agora desarrumados, tampavam um lado da sua face salgada. Seus lábios, secos e avermelhados, apertavam a dor sentida naquele momento, e seguravam que mais lágrimas fossem derramadas ali. Algo preso à garganta dilacerava seu tormento e perturbação diante daquele homem, imóvel, que tanto amava.

A tarde fria já caía do céu nublado. A sala já estava vazia. Raquel deveria vê-lo pela última vez. Num impulso dos quadris, ela deu o primeiro passo rumo a Daniel. Pernas trêmulas, corpo gelado, como se sua vida lhe fora tirada junto à de Daniel.

Caminhou como se o tempo parasse e só restasse o nada entre ela e Daniel. Parou. Seus olhos buscavam os de seu amor. Mas só via suas pupilas cerradas. A ardência de amor apaixonado dava lugar a um corpo gelado e sem alma. Tocou suas mãos frias e deixou que lágrimas negras e quentes tocassem a pele branca e envelhecida pela doença.

O rapaz que conhecera há alguns anos não existia mais. Havia se tornado um homem aparentemente 10 anos mais velho que a idade que realmente tinha. Magro, seu rosto cheio de curvas aparentavam o osso frágil pelas drogas que era obrigado a tomar. Seus cabelos, os que sobreviveram à quimioterapia, estavam todos brancos.

Seus lábios, imóveis e sem cor, choravam as lágrimas de Raquel, por estar longe de seu amor. Beija. E os toca com sua boca quente. Toca o corpo sem alma de Daniel, deitado naquela imensa urna de madeira. Enquanto a mão acaricia a própria barriga, que guardava todo amor entre ela e Daniel.

Um comentário:

  1. ... comecei a ler, mas num continuei nao... a cena é forte... muito forte... e de certa maneira machuca aqui tambem...
    beijooos

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