17 de outubro de 2009

Cheiro de Pipoca

Texto que comecei rabiscar dentro da igreja Nossa Senhora da Aparecida, no último dia 12 de Outubro, enquanto o céu chorava lá fora, enquanto algumas pessoas cantavam uma oração, enquanto eu fazia plantão de repórter e esperava o fotógrafo ir me buscar. Enquanto aquela imagem de perna ferida em cima de uma poça de sangue não saía da minha cabeça.

Igreja tem cheiro de pipoca. Isso é fato. Lembro de quando era criança e contava os minutos (que mais pareciam horas) para que a missa de domingo acabasse logo para que, enfim, comesse a pipoca.
Minha mãe sempre reclamava que meu pai enchia agente de besteira comprada na rua.
_Deixa, quando eu chegar em casa eu faço pra vocês.
Mas meu irmão e eu chorava, esperneava e papai acabava comprando um saquinho de pipoca de sal pra gente. Não sei por que, mas mesmo que murcha e sem sal, pipoca de carrinho em frente à igreja é sempre mais gostosa que feita em casa.
Agora olhando todas essas velas tentando sobreviver ao vento úmido, me lembro bem... Eu era um anjinho de procissão e gostava de ir brincando com a parafina derretida da vela e comendo pipoca de sal, de doce, e de parafina. Me queimava toda, mas não importava, achava bem melhor brincar com parafina derretida, que acompanhar a cantoria sem ritmo daquelas mulheres da procissão.
Naquela época, lembro que todos me comparavam com um anjinho de verdade (como se alguém já tivesse visto uma). Acho que por causa dos cachinhos que herdei de meu pai.
_Que gracinha! Com esses cachinhos parece mesmo um anjinho!
Anjos. Daí, vejo todas essas crianças vestidas de anjos de Nossa Senhora e fico me perguntando se existe mesmo essas criaturas que protegem as pessoas. Fico me perguntando onde estava o anjo, ou o que estava fazendo naquela hora do acidente.
Tantas vidas, tanta gente. Umas passando por outras despercebidas, com seus pensamentos íntimos, ou tentando descobrir, assim como eu, o que se passa na cabeça de cada uma dessas pessoas que entram constantemente na igreja e fazem o ritual até a santa de barro: toca, sinal da cruz, se vira e vai embora com a cabeça baixa.
Umas passando pelas outras sem se preocupar com elas, se martirizando apenas nos seus próprios problemas.
Feriado, o dia ensolarado, mas que de repente se fechou e entrou em fúria. Ficou vermelho, coberto de poeira, ventou e choveu. E assim foi até o fim do dia. Mas antes que se enfurecesse um anjo dormiu. Mas a pessoa que ele guardava levantou cedo neste dia 12 para trabalhar. Era "mototaxista", e devia ser de família humilde. Não sei se tinha mulher e filhos. Mas que importa agora? Acho que um mototaxista só trabalha dia de feriado se precisa mesmo de dinheiro. Se ele tivesse ficado em casa. Dormido até mais tarde como o resto da cidade, talvez o destino não teria sido tão trágico. Sim, o destino:
Alguém deve ter ligado na central de mototáxi e pedido uma moto. Ou ligou direto no celular desse mototaxista, ou acenou na rua quando ele passava. Esse alguém devia ter um compromisso bem naquela hora, ou talvez mais cedo ou mais tarde. Mas foi justo naquela hora que eles se encontraram. E o caminho desses dois cruzou com um homem  que voltava da fazenda. Este homem devia estar distraído demais falando com o amigo do lado, ou saiu mais cedo que o previsto. Ou quem sabe perdeu a hora.
O caminho deles se cruzaram naquele cruzamento, em frente ao parque de exposições da cidade, no mesmo instante.
E de certo, nessa hora, um anjo dormia. E o homem acelerava sem ver que um carro corria na sua direção.

Cheguei alguns minutos depois. A tempo de ficar com aquela imagem na minha cabeça:
A perna dele abriu um ferimento, ele desmaiou, e tudo parecia querer sair pra fora. O sangue fez poça, e a primeira reportagem de acidente que eu presenciei ficou o dia todo me perturbando, rendendo pensamentos, rendendo reflexão sobre a vida, os anjos, o destino, as pessoas. Rendeu um conto com cheiro de pipoca.

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