9 de outubro de 2009

Sem sobrenome



Ficou olhando todos aqueles flash`s que piscavam constantemente no salão lá fora. Estava bem ali atrás da cortina, esperando a Renata anunciar o nome que tanto foi falado durante aquela semana. Ela, já havia perdido, sabia que não tinha mais chance, não ficara nem entre as Top 10. Olhava, sem reação, sem querer chorar ou sorrir. Ali, já era o bastante pra Lorena. Lembrava-se daquelas mesmas mulheres de beleza estereotipada, porém que ela assistia vidrada na tela da televisão em preto e branco da sua casa quando ainda era pequena. Ficava ali, sentada no chão enquanto aquelas mulheres desfilavam pelas passarelas com seus vestidos reluzentes, cheios de paetês e vidrilhos, com seus cabelos partidos de lado de onde saia um topete. Que lindo era aquele topete, e como ficava bem com aquela coroa de strass. Andavam com uma das mãos na cintura se equilibrando em cima de sandálias cada uma mais alta que a outra; mais linda que a outra. Com suas faixas nos ombros, e seus brincos que de tão pesado puxavam a orelha, mas que eram todos brilhantes. Os sorrisos, sempre os mesmos, estampado na cara de cada uma delas. Lembra-se quando ela virava pra mãe e dizia "um dia também vou ser Miss”. E todo mundo falava, todo mundo criticava, afinal a sociedade daquela época e, até mesmo de hoje, manteve o estereótipo de que toda Miss é "cabeça de vento", só sabem sorrir, só sabem desfilar, e dizer sempre que o livro predileto é o "Pequeno príncipe", e que todos os dias “oram a Deus pela Paz Mundial". Queria ser Miss e também queria mostrar que tinha muito mais que beleza. Mas se lembrava o quanto tudo foi tão difícil... A primeira tentativa, o fracasso... A segunda tentativa, mais outro fracasso... A terceira tentativa, e finalmente ela consegui a faixa na sua cidade. O sonho passou a ir mais além, Lorena queria a faixa estadual. Mas não teve apoio, não tinha dinheiro, não tinha ajuda. Havia chegado até aqui por conta própria, mas dali em diante, era crucial que tivesse alguma ajuda financeira, afinal era de família humilde, trabalhava o dia todo para ganhar algum dinheiro para conseguir ajudar a mãe com as despesas de casa. Enquanto todas as candidatas se preparavam com próteses de silicone, cirurgias plásticas, alongamentos, massagens, botóx, etc; Lorena ralava batendo de porta em porta para conseguir juntar a grana para pagar a inscrição do concurso. E agora estava ali, no concurso. Quem estava dentro da televisão vestindo um maiô um pouco mais moderno era a própria Lorena. Só que não era nem finalista. Sua beleza parecia triste, ou pelo menos sem entender o que estava acontecendo. Na verdade ela até sabia o que acontecia, apenas não queria dar ouvidos ao falatório maldoso. Todos já sabiam o nome da vencedora, ou melhor, o sobrenome dela. Afinal, podia não ser a mais bonita - não desmerecendo sua beleza - mas era a mais rica, foi o pai dela quem patrocinou a maior parte do concurso, foi ela que um dos mais importantes jurados treinou durante dois anos. O restante dos jurados, eram os políticos e empresários daquela cidade da onde a suposta vencedora representava. Mas Lorena não quis acreditar em uma só palavra, em um só comentário, em um só olhar. Preferiu observar para ver como seria na hora. Então, Lorena ficou lembrando do quanto ela treinava sua passarela em casa, das aulas de etiqueta que a amiga propôs a ministrar pra dar uma força, do dia que chorou na frente de vereadores da cidade porque não tinha o dinheiro da inscrição, daquela moça que apareceu uma semana antes do concurso e que se propôs a ajudar e colocar seu nome na mídia. Mas os pensamentos de Lorena foram interrompidos por vaias. Ela levantou os olhos, e tirou aquela mexa ondulada de cabelos da frente do rosto, era Renata, anunciando o nome que tanto já tinha sido falado. Era Débora correndo em sua direção para a coxia, diante de tantas vaias. _ O que aconteceu? _ Eu ganhei _Volta... você tem que receber a coroa _ Eles estão vaiando em coro: "marmelada" _ Mas você já sabia... Enquanto isso, não perceberam que Renata chamava por Débora para receber a faixa. Ela retornou ao palco, e Lorena ao seu mundo. Um mundo sem flashs, sem brilho, sem glamour, sem coroas e faixas. Um mundo sem sobrenome.
Qualquer semelhança com a realidade, deve ser mera coincidência.

Um comentário:

Obrigada por comentar! Visite sempre o Breguetes!