12 de novembro de 2017

Crônica sobre o amor

Dobrei a esquina, sendo arrastada por meu cachorro. Era um domingo fresco e úmido de novembro, e eu estava voltando do meu passeio de pôr-do-sol com Jimi Hendrix, um poodle custoso.
Ao que me aproximo da minha casa, em Ituiutaba, percebo minha mãe saindo pelo portão. Seu sorriso largo no rosto logo aponta para o motivo daquela alegria estampada nos olhos. Era Paulo Arthur, um garotinho de 9 anos, que o coração da minha mãe adotou. 
Ele saiu todo serelepe segurando uma sacola em uma mão e, na outra, uma bexiga branca. Ele fazia alguma graça que arrancou um "sorrisão" dos lábios da minha mãe. Daqueles que ela deixa a cabeça cair levemente para trás e aperta os olhos. Acho que foi um dos sorrisos mais lindos que já vi em mamãe.
Me lembro da primeira vez que vi Paulo Arthur. Ele devia ter uns 4 anos. Garotinho tímido, branquinho do cabelo bem preto e liso. Ele vestia uma calça jeans, uma camiseta com alguma estampa de super-herói e uma camisa xadrez em vermelho e preto por cima. Tudo isso em menos de um metro de altura. Quando vi ele logo tentei uma aproximação. "Oi! Eu sou a Jaki! Quantos anos você tem?"; mas ele abaixou os olhinhos pequenos e escondeu atrás do balcão da cozinha.
Naquela época, há uns cinco anos atrás, a mãe do Paulo Arthur namorava meu irmão. Aqueles almoços de domingo na minha casa, com uma criança correndo pra lá e pra cá e trazendo alegria a cada cantinho do coração de todos os habitantes dali, fez com que toda a família se apegasse à sua doçura de criança logo no começo.
Eu, que na época ainda morava em Uberaba, percebia pelo telefone, quando falava com minha mãe, o tanto que a presença daquele menininho na minha casa fazia diferença. Aquele tempo de tristeza e preocupação por conta de uma depressão que atingira a minha mãe e deixava apertado o coração de todos, de repente foi se dissipando e dando lugar a alegria que aquela criança trouxe à nossa casa.
Ainda naquele ano, Paulo Arthur foi matriculado na escola onde minha mãe trabalhava. O contato dos dois aumentou ainda mais, uma vez que passavam mais tempos juntos.
Logo, com o passar do tempo, ela ouvira, talvez a palavra que tanto antes já tinha vontade de ouvir: Vó! Vó, sim vó! e porque não, vó? Porque ele não é neto de sangue dela? Mas e o amor de neto e amor de vó, que existe ali entre os dois e que traz tanta alegria para aquela criança? E o tanto de sorriso que tomou o lugar da tristeza da minha mãe, e o amor de vó que ajudou ela a superar uma depressão? Sim! Vó!
Nesse meio tempo, entretido com seu mundo de criança, meu irmão e a mãe de Paulo Arthur decidiram seguir caminhos distintos. Mas o amor de vó, ahh... eu acho que deve ser tipo amor de mãe. Que não morre nunca! E por que separar vó e neto?
Aproximei-me deles com meu cachorro me arrastando pela coleira. Eu sorria e ria muito daquela cena. Eu sorria do sorriso da minha mãe, segurando o Paulo Arthur pela cabeça, encostada na barriga dela, enquanto penteava cuidadosamente o cabelo pretinho e molhado do menino e falava alguma coisa com ele.
Sabe? Aquele penteado caraterístico de vó: partido de lado e grudado junto à cabeça. Paulo Arthur por sua vez, balançava a bexiga enquanto sorria com os olhos negros arregalados por trás de uma óculos parecido com o da minha mãe, e balançava a cabeça em sinal afirmativo. Sua mãe estava estacionada na rua. Havia vindo buscá-lo. Essa cena acontecia quase todos os finais de semana, quando ele passava com a gente aqui em casa.
Eu fiquei ali, paralisada e extasiada enquanto escutava alguma música no fone de ouvido que embalava aquela cena. Ele então pegou o capacete e foi logo colocando na cabeça. "Ué! Você não vai dar um beijo na sua vó?"; tirei o fone do ouvido e falei enquanto minha mãe colocou as mãos na cintura e abriu um sorriso desafiador em direção a ele. Ele logo tirou o capacete, bagunçando todo o cabelo que minha mãe acabara de pentear e dependurou no pescoço dela com bexiga e sacola nas mãos. "Tchau, vó!". "Tchau, meu amor!".
Ele subiu na moto, acenou com um sorriso tímido e foi. Minha mãe ficou ali, acenando. E eu aqui, com a maior certeza de que o amor que existe entre os dois é o mais puro, que alegra, que cura e que traz sorrisos ao coração dos dois. E que inquestionavelmente o amor que existe entre aqueles dois, é amor de vó e neto. Amor de vó e neto.
Jaki Barbosa - 12/11/2017

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